segunda-feira, 18 de maio de 2009

Estréia cinematográfica

Em 1995 eu estava no terceiro ano da faculdade e escrevi um artigo que foi publicado no Jornal de Piracicaba, sendo minha estréia no diário onde eu iria trabalhar dez anos depois.

Segue o artigo, tirado do fundo do meu baú:

Invertendo os valores

Com o fim do milênio e a evolução das sociedades é comum que alguns valores mudem e até mesmo se invertam, mas o que aconteceu há alguns meses nesta cidade não se explica de modo algum.
Onde antes tínhamos cultura e entretenimento, hoje somos obrigados a conviver com letreiros sensacionalistas e cenários bizarros de exaltação à fé. O cinema Rivoli que por tantas décadas divertiu e instruiu os piracicabanos, foi transformado em um templo da tumultuada Igreja Universal do Reino de Deus.
No ano do centenário do cinema temos como homenagem esse pitoresco acontecimento. Nada tenho com a expansão e sucesso duvidosos dessa igreja, só não concordo com a transformação de um cinema em templo. É inadmissível uma inversão de valores tão grande, de um lado uma arte centenária e consagrada, do outro uma religião recente, duvidosa, coberta de irregularidades e repleta de seguidores cegos e fanáticos.
Bem sei que esta troca se deu por necessidades financeiras, e que esse cinema sendo privado, é livre para ser vendido ou transformado sem dar satisfações a ninguém, o que me deixa apreensiva é o que isso representa. Estamos trocando, sem maiores sobressaltos tradição, cultura, história por dinheiro fácil, exploração de crédulos e qualquer modismo religioso ou esotérico que vemos anunciado por aí. Daqui há algum tempo não nos assustaremos em vermos cinemas, teatros e museus convertidos em templos de adoração.
Até mesmo a televisão está sendo já há tempos invadida por essa onda de religiosidade e os programas se transformando em espetáculos de fanatismo religioso. Os estádios de futebol, a grande paixão nacional, são invadidos regularmente por fiéis que se reúnem em grandes cultos regados a exorcismo e doações, que apresentam muitas vezes públicos superiores aos grandes clássicos do futebol. Festivais de música “Gospel” (músicas que falam exclusivamente de Deus em sua letras) são eventos comparados aos grandes shows de rock, inclusive com atrações internacionais.
Tudo isso está passando meio despercebido pelos olhos da maioria, talvez por estar ocorrendo em grande escala e de certa forma distante de nosso cotidiano. Entretanto, quando vejo essa transformações ocorrendo tão perto de mim constato que essa inversão que já tomou a sociedade de maneira assustadora. Parece até coisa de cinema...


*A foto é do cinema antes de chamar Rivoli, ainda Cine Palácio, que eu nem cheguei a ver. Foi tirada do site A Província


Em tempo: Até hoje funciona a igreja no local e não temos mais cinema de rua em Piracicaba. Somente no shopping, que pena!

2 comentários:

  1. Flá, eu lembro muuuito desse artigo! Fiquei com tanto orgulho de você na época! Não que eu não tenha agora, mas era diferente...Lembro de ter mostrado para toda minha família e falado: -Leiam, foi a Flávia quem escreveu! Tipo, leiam porque é importante!!!E com certeza ainda tenho o recorte guardado em casa! Fiquei triste porque só consegui assistir a um filme no Rivoli (My girl, e você com certeza foi junto).Bons tempos que não voltam mais. Hoje os cinemas são todos max ou plex, credo. Mas quando você vier me ver em Ribeirão, vou te levar ao Cine Clube Cauim, o último remanescente de rua por aqui. Beijo!
    Grá

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  2. Hahahaha. Li ontem à noite seu post sobre o primeiro texto publicado no JP. Muito bem escrito, por sinal. O meu primeiro, acredite ou não, tenho guardado até hoje. E acredite: é uma carta sobre cinema, mas reclamando do pouco caso do Cine Shopping Piracicaba, que desligava o ar condicionado nas últimas sessões de domingo (em pleno verão!).
    Mas eu li e nao pude postar o comentário, viu? Também por culpa da minha internet a manivela...
    Bjos!!!

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